O Blog do Bassa vai tratar nesta publicação sobre a relação entre autismo, nazismo e fascismo.
A relação não é direta, mas existem interseções históricas e ideológicas que precisam ser esclarecidas.
O autismo na era nazista: perseguição e eugenia
Durante o regime nazista (1933–1945), a Alemanha aplicou
políticas eugênicas com base na ideia de “pureza racial” e “aperfeiçoamento
biológico da sociedade”.
- Pessoas
com deficiências físicas e mentais — incluindo muitas que hoje
seriam reconhecidas como autistas — foram consideradas “vidas
indignas de serem vividas” (Lebensunwertes Leben).
- Essas
pessoas foram vítimas do Programa T4, um projeto de extermínio
“médico” que assassinou mais de 200 mil pessoas com deficiência em
hospitais e clínicas.
- O
diagnóstico de autismo ainda não existia formalmente na época (Hans
Asperger só descreveu o “autismo de alto funcionamento” em 1944), mas muitas
crianças que exibiam traços autistas foram incluídas entre as vítimas,
sob categorias como “retardo mental”, “comportamento anormal” ou
“personalidade degenerada”.
Curiosamente, Hans Asperger, o pediatra austríaco que deu nome à “síndrome de Asperger”, teve ligações ambíguas com o regime nazista.
O fascismo e a
negação da diferença
- rejeitavam
a diversidade humana, física, intelectual e comportamental;
- enalteciam
o corpo e a mente “fortes”, a disciplina e a obediência;
- viam
pessoas com deficiência como “fardos” ou “degenerações” a serem eliminadas
ou escondidas.
Nos dias de hoje, estudiosos do autismo e da
neurodiversidade (como Nick Walker e Ari Ne’eman) destacam que:
- o movimento
anticapacitista e a neurodiversidade representam o oposto do
fascismo, pois afirmam o valor da diferença;
- políticas
que tentam “normalizar” ou apagar o autismo por meio de coerção
comportamental (como certas vertentes da terapia ABA rígida) às vezes são
criticadas como eco autoritário, embora não sejam comparáveis
moralmente ao fascismo.
Ou seja, o vínculo entre autismo e fascismo hoje aparece como
alerta simbólico:
Qualquer sistema que nega a dignidade das pessoas por não se
encaixarem em um padrão “normal” ecoa a lógica fascista da exclusão.
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Aspecto |
Nazismo/Fascismo |
Relação com Autismo |
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Ideologia |
Eugenia, pureza, normalização |
Respeito as diferenças, acolhimento da pluralidade de idéias, afirmação da neurodiversidade |
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Práticas |
Esterilização e extermínio de pessoas com deficiência |
Autistas entre as vítimas do Programa T4 |
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Conceito indivíduo |
Homogêneo e obediente |
Autismo simboliza diversidade e singularidade |
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Legado histórico |
Violência e apagamento |
Resistência e valorização da neurodiversidade |
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Benito Mussolini e Adolf Hitler (reprodução) |
Linha do tempo: Autismo, Nazismo e Neurodiversidade
- Movimento
eugenista cresce na Europa e nos EUA, defendendo o “aperfeiçoamento”
da humanidade por meio da exclusão de pessoas com deficiência, pobreza ou
doenças mentais.
- Médicos
e psiquiatras classificavam comportamentos hoje entendidos como autistas
como “idiotia”, “demência precoce” ou “degeneração mental”.
- A
ciência ainda via a diferença neurológica como falha biológica, não
como diversidade humana.
1933–1945: Nazismo, eugenia e o Programa T4
- O
regime de Adolf Hitler implementa a Lei para Prevenção de
Descendência com Doenças Hereditárias (1933), que autorizava a
esterilização compulsória de pessoas com deficiências.
- A
partir de 1939, começa o Programa T4: extermínio de pessoas com
deficiência em clínicas e hospitais. Estima-se 200 mil mortes,
incluindo muitas crianças com características que hoje seriam descritas
como autismo.
- A
diferença mental era vista como “custo” e “ameaça” à pureza da raça.
1943–1944: Leo Kanner e Hans Asperger
- 1943:
O psiquiatra Leo Kanner, nos EUA, publica Autistic Disturbances
of Affective Contact, descrevendo 11 crianças com características
específicas de autismo.
- 1944:
Hans Asperger, em Viena (então sob domínio nazista), descreve
crianças com “autismo de alto funcionamento”.
- Pesquisas
modernas (Herwig Czech, 2018) revelam que Asperger colaborou
parcialmente com o regime nazista, enviando algumas crianças ao
centro Am Spiegelgrund, onde foram mortas.
- Ao
mesmo tempo, ele protegeu outras de serem executadas, o que torna
seu papel ambíguo.
- O
termo “síndrome de Asperger” só se popularizaria décadas depois,
mas nasce em meio à ideologia nazista da “normalidade social”
1945–1960:
Pós-guerra e o apagamento
- Após
o Holocausto, o mundo descobre as atrocidades eugênicas do nazismo.
- O
autismo é estudado de forma limitada, muitas vezes confundido com esquizofrenia
infantil.
- Ainda
predominam visões patologizantes — o autista como “doente” ou “retardado”.
- A
ética médica começa a se reformular com o Código de Nuremberg (1947),
que proíbe experimentos desumanos e reforça a dignidade humana.
1960–1980: culpabilização e mudança de paradigma
- A
psicanálise populariza a ideia das “mães-geladeira” (Bruno
Bettelheim), culpando as mães por causarem o autismo com frieza emocional.
- Essa
teoria reforça o estigma e o sofrimento das famílias.
- Nos
anos 1970–80, Lorna Wing e Uta Frith retomam os estudos de
Asperger e definem o “espectro autista”, reconhecendo diferentes
graus e formas de expressão.
- Começa
uma virada científica: do “defeito” à diferença cognitiva.
1990–2000:
neurodiversidade e direitos
- Surge o movimento da neurodiversidade, liderado por autistas como Judy Singer, Jim Sinclair e Ari Ne’eman.
- O
lema: “Nada sobre nós sem nós.”
- A
diferença neurológica é vista como variação humana natural, não
doença.
O termo “síndrome de Asperger”
entra no DSM-IV (1994), mas depois é incorporado ao espectro do autismo no
DSM-5 (2013).
- A
internet ajuda a criar comunidades autistas e ativismo global.
2000 – memória,
ética e inclusão
- Pesquisas
históricas revelam a ligação entre a medicina do autismo e o nazismo
(Edith Sheffer, Asperger’s Children, 2018).
- O
movimento anticapacitista denuncia resquícios de pensamento eugênico
em práticas que tentam “corrigir” o comportamento autista.
- Hoje,
o autismo é reconhecido como expressão legítima da neurodiversidade
humana.
- A
luta contemporânea é por inclusão, acessibilidade e autodeterminação,
em oposição total às ideologias de uniformidade e exclusão.
Síntese ética
O nazismo e o fascismo buscaram eliminar a diferença.O autismo, em sua essência, é a afirmação da diferença.
O livro Autismo Sem Máscara, escrito pelo psicólogo
social Devon Price, é uma obra essencial para compreender outra faceta do Transtorno
do Espectro Autista (TEA): a de quem vive no espectro e, apesar disso, consegue
passar despercebido no cotidiano, escondendo (ou “mascarando”) suas
características autistas.
O fenômeno do “autismo mascarado”
A premissa central da obra é que nem todas as pessoas
autistas são facilmente identificáveis. Muitas delas não se encaixam no
estereótipo tradicional – como aquelas personagens de filmes e séries que têm
dificuldades severas de comunicação e socialização. Por conta da pressão social
e do desejo de pertencer a grupos, essas pessoas utilizam estratégias
conscientes ou inconscientes de camuflagem, adaptando comportamentos,
gestos, linguagem corporal e expressões sociais para parecerem “neurotípicas”.
Origens e consequências dessa camuflagem
Ao longo da obra, Price explica como essa camuflagem surge e
se desenvolve desde a infância. A necessidade de se ajustar às normas sociais
pode começar no ambiente escolar e familiar e acompanhar a pessoa por toda a
vida. A longo prazo, isso gera esgotamento emocional, estresse, ansiedade,
depressão e a sensação de repressão da própria identidade.
Essas estratégias de “fantasias sociais” podem incluir:
- Espelhamento
de comportamentos sociais;
- Suppressão
de interesses específicos ou estereotipados (stims);
- Imitar
expressões emocionais e linguagem que não são naturais;
- Adotar
rotinas e gostos “aceitos” para parecer “normal”.
Autoconhecimento como ponto de partida
Uma das mensagens mais poderosas do livro é o chamado ao autoconhecimento. Price convida o leitor a perceber que camuflar não é algo neutro: é uma adaptação à expectativa dos outros e, muitas vezes, um ataque à própria autenticidade.
A aceitação pessoal e a compreensão da própria neurodivergência
são passos fundamentais para viver com menos sofrimento e mais alinhamento com
quem somos.
Perspectiva sociopolítica e neurodiversidade
“Autismo Sem Máscara” não é apenas um relato individual —
também é uma análise crítica da sociedade contemporânea, que ainda valoriza
demais padrões uniformizados de comportamento. Price defende uma visão baseada
na neurodiversidade, que reconhece e valoriza a variação cerebral humana
como parte natural da vida.
Estrutura do livro e recursos oferecidos
A obra se destaca por combinar:
- Relatos
reais de pessoas autistas que se reconhecem no conceito de camuflagem;
- Estudos
de psicologia social que explicam o fenômeno do mascaramento;
- Dicas
práticas para buscar autoconhecimento e reduzir o impacto psicológico da
camuflagem;
Tudo isso em um tom acessível e empático — ideal tanto para
diagnosticados tardios quanto para familiares, amigos e profissionais da área
da saúde e educação.
Resumindo:
“Autismo Sem Máscara” é um livro que vai além da
biografia: é um manifesto sobre autenticidade, identidade e aceitação. Ele
mostra que ser autista não significa ser apenas aquilo que saltam aos olhos,
mas inclui um universo interno vasto — muitas vezes escondido por trás de máscaras
construídas para sobreviver em um mundo neurotípico. Em última instância, a
obra é um convite ao respeito à diversidade humana e ao direito de ser
quem realmente somos.



